quinta-feira, 26 de março de 2009

UM RADAR HUMANO NO SÉCULO XVIII - 2ª parte

UM RADAR HUMANO NO SÉCULO XVIII - 2ª parte
(continuação)

A 25 de Outubro de 1781, no meio da fumaça e do trovão das salvas de honra, uma esquadra de seis unidades ancorou diante de Port-Louis. A população apertava-se na praia e nos molhes para admirar as pirâmides de velas resplandecentes de brancura sob o sol e o clarão das bandeiras multicolores. O governador de Souillac, numa embarcação drapejada de púrpura, foi saudar, no Hero, um marinheiro ilustre: Pierre André de Suffren, de Saint-Tropez; o glorioso Suffren, comandante de navio e comendador da Ordem de Malta, que acabava de se evidenciar na guerra da independência da América e se dirigia ao mar das Índias para combater os ingleses.

Suffren desembarcou sob bandeirolas de boas-vindas e aclamações da população. Agradeceu a Souillac pela recepção.
- Pudemos preparar-nos atempadamente para o receber com todas as honras a que tem direito – disse Souillac.
- Sem dúvida, enviou uma corveta de reconhecimento? – Perguntou Suffren.
- Não, foi graças a um homem dotado de um poder surpreendente. Anuncia a chegada de navios com vários dias de antecedência.
Suffren espantou-se.
- Vários dias, diz você? O homem possui, portanto, qualquer instrumento aperfeiçoado?
- Não, senhor comendador, assegurei-me disso.
- Uma visão penetrante, então?
- No principio pensei isso, mas trata-se de outra coisa. Um homem estranho, na verdade, sobre o qual gostaria ter a sua opinião.

Apresentaram Bottineau a Suffren, que olhava com espanto. Esperava ver uma espécie de feiticeiro, com os olhos brilhantes num rosto emaciado, um profeta do mar, um ser inspirando ao mesmo tempo temor e fascínio, e tinha diante de si um homem atarracado e terno, com a aparência de um modesto funcionário.

- O senhor tem, segundo me disseram, um dom que muitos marinheiros poderiam invejar. Portanto, como faz?
Houve um silêncio. Bottineau sempre se recusara a revelar a natureza do seu poder. Ousaria conservar o mesmo mutismo perante Suffren?
- Observo os fenómenos que rodeiam os navios no alto mar – respondeu Bottineau.
- Mas então?
- É difícil explicar-lhe em poucas palavras, senhor comendador. Este fenómeno é como um meteoro, num invólucro gasoso que rodeia o casco e as velas.
- E você vê esses meteoros?
- Distingo-os nitidamente, sim.

Suffren franziu o sobrolho. Esta explicação parecia-lhe muito vaga. Manifestamente, esse Bottineau queria manter o seu segredo ou, sem dúvida, procurava sacar-lhe algum dinheiro. De resto, pouco importava. Suffren imaginava os serviços que tal homem podia prestar num navio.

- Levo-o comigo para bordo – disse ele bruscamente a Bottineau.
Este ultimo sobressaltou-se.
- Isso seria uma grande honra para mim, senhor comendador; mas a minha idade, o meu estado de saúde…
- Você poderia iniciar os marinheiros nos seus métodos?
- Creio que sim.
- Bem, no meu regresso a França, vou falar nisso ao marechal Castries. Encontraremos certamente qualquer solução que concilie os seus interesses com os do Rei.

A frota de Suffren partiu. E, no Mar das Índias, alcançou um rosário de vitórias com nomes sonoros: Providen, Negapatan, Trinquemale, Gondelour; o regresso a França e a glória para aquele que os indianos haviam denominado de “o almirante do diabo”.
Nem os fumos dos combates nem dos incensos, haviam feito esquecer a Suffren a silhueta de um homem pequeno que, na Ilha de França, se apercebia dos navios a uma dezena de léguas de distância. E Suffren falou de Bottineau ao ministério da Marinha. Este desde a carta do governador da Ilha de França, deixara de ser um desconhecido.
A intervenção de Suffren decidiu o Marechal de Castries propor a Bottineau dez mil libras de prata com mais uma pensão de mil e duzentas se este revelasse a sua descoberta.

Bottineau é feliz? Tem finalmente aquilo que deseja? Pois bem, não. Permanece reservado. Sente-se, sem dúvida, lisonjeado com a confiança do ministro da Marinha e com o apoio de Suffren, mas quer ir pessoalmente a França «para levar os primeiros princípios da nova ciência».
Suffren ficou surpreendido com o que pensou ser, inicialmente, uma forma de se escapar e, por um momento, duvidou: Bottineau seria uma espécie de vigarista e o seu famoso método não seria fruto da sua imaginação? Contudo, os factos falavam por si, patentes, irrefutáveis. Sobre este assunto temos uma estatística: de 1778 até ao principio de 1782, Bottineau anunciou a chegada de 575 navios com dois ou três dias de antecedência. Reflectindo, Souillac pensou que Bottineau desejava uma notoriedade que somente Paris poderia dar-lhe. Estava convencido que quando este, dando andamento ao seu projecto, embarcou em Fevereiro de 1784.

Vimos que, no Le Fier que o levava a França, Bottineau espantava os oficiais prevendo a proximidade de terra e esse espanto foi, para ele, de bom augúrio. Não duvidou que o sucesso e a glória o esperavam em França.

Desembarcou, por conseguinte, em Lorient e partiu para Paris cheio de esperança. Mal chegou, apresentou-se no ministério da Marinha, apresentou um memorial e regressou uma semana depois para pedir uma audiência ao marechal de Castries. Esperou uma resposta durante demasiado tempo. Por fim, disseram-lhe que o seu memorial estava em estudo e que o ministro o receberia mais tarde.
Bottineau não compreende. Insiste. O ministro sabia que era ele: este escrevera a seu respeito ao governador da Ilha de França, propondo mesmo uma pensão para ele, Bottineau. Tiveram um gesto evasivo. Numerosos memoriais estavam em estudo. Devia esperar a sua vez.
Bottineau procura então ver Suffren. O grande marinheiro, que foi promovido a vice-almirante e que toda a cidade de Paris aclamou alguns meses antes, está na Provença, no seu castelo de Saint-Cannat.

Bottineau sente-se desamparado. Em Port-Louis era uma espécie de celebridade. Em Paris era um anónimo, um tagarela que se vangloriava de ver navios às dezenas e a dezenas de léguas. Esforça-se, contudo, por ultrapassar a sua decepção, e procura apoios.
Acredita tê-lo encontrado. Começam a falar de um naturalista que também é escritor: Bernardino de Saint-Pierre. Publicou a Viagem à Ilha de França e, três anos mais tarde, o seu Paulo e Virgínia conferiu-lhe uma definitiva notoriedade. Ora, Bottineau encontrou Bernardino de Saint-Pierre na Ilha de França. Foi visitá-lo e expôs-lhe a razão da sua estadia em Paris: a divulgação de uma nova ciência que ele chama de “nauscopia”.

Bernardino de Saint-Pierre estudara a vida dos pássaros. Sabia que, observando o voo de certas espécies dos trópicos, pode anunciar-se a chegada de navios com muito tempo de antecedência.
Bottineau interrompeu-o.
- Não se baseia no voo dos pássaros.
- Talvez uma miragem – disse Bernardino de Saint-Pierre.
E cita a aventura do seu amigo, o pintor Joseph Vernet que, estudando o céu, no decurso de uma viagem de Itália, viu nas nuvens «uma cidade caída com sinos, torres, casas». Vernet apressou-se a fazer um croqui, depois descobriu a sete milhas dali, essa mesma cidade cuja imagem estava reflectida nas nuvens.
Bottineau interrompeu-o de novo.
- Não se tratava de miragens. A “nauscopia” consiste em observar os meteoros que suscitam os navios no mar.
Bernardino de Saint-Pierre escuta-o com atenção, mas continua circunspecto. «Há», disse ele prudentemente, «na natureza uma infinidade de coisas desconhecidas ao homem. A sua descoberta pode ser uma delas».

(continua...)

2 comentários:

lima golf disse...

..estou cheio de sede, será que ainda ninguém leu a 2ª parte?!!

Anónimo disse...

estou a espera!