terça-feira, 26 de maio de 2009

Um Naufrágio Sem Náufragos (4ª e última parte)

(continuação – 4ª e ultima parte)

Foi fácil encontrar os pescadores que se encontravam nas paragens na manhã do naufrágio. A maior parte, absorvidos pelo seu trabalho, não havia prestado uma atenção particular à escuna. Outros tinham-na olhado quando ela se dirigia para a costa, mas não haviam visto qualquer outro navio a aproximar-se do J.C.Cousins.
Os investigadores investigavam esses testemunhos de onde ressaltavam dois factos: 1º- nenhum marinheiro se encontrava suficientemente perto da escuna no momento da sua mudança de rumo para poder fornecer um testemunho probatório; 2º- os vigias do cabo Canby só haviam visto alguns pescadores naquelas paragens.
Impunha-se uma conclusão lógica. Se se ativessem à hipótese da fuga da tripulação, só poderia ter sido num barco ligeiro ou camuflado como tal que essa fuga poderia ter tido lugar.
Restava determinar as razões do abandono da escuna. Zeiber não poderia ter afundado deliberadamente a sua embarcação? Porquê? Para receber o montante do seguro, conjuntamente com o armador e de acordo com ele?
Esta vigarice é regularmente invocada a propósito de naufrágios inexplicados. Dois casos recentes. Primeiro o do petroleiro Olympic Bravery que encalhou em Oussant, a 26 de Janeiro de 1976. Acusaram o seu comandante a ter sido o próprio a causar o naufrágio da sua embarcação, segura em 25 mil milhões de francos antigos. Acusação que revelou falsa. Aconteceu o mesmo com outro petroleiro gigante, o Salem que se afundou a 17 de Janeiro de 1980, a 105 quilómetros a sul de Dacar. A Loyd’s de Londres recusou-se a pagar os 84,2 milhões de dólares, valores do petroleiro e do seu carregamento, suspeitando que o comandante tinha, ele próprio aberto um rombo no seu navio.
Para o J.C.Cousins, os seguradores tiveram a mesma reacção. Insinuaram, por conseguinte, que Zeiber tinha atirado a sua escuna voluntariamente contra a costa, depois de ter saído de bordo. Recusaram-se a pagar ao armador os 40 mil dólares que este lhes reclamava.
Foi instaurado um processo. No decurso das audiências, a testemunha principal foi um fantasma, o de Alonso Zeiber. Os juízes deram razão ao requerimento dos seguradores. O armador recebeu apenas 4 mil dólares.
Este processo não pôs fim ao enigma. O inquérito encontrava-se em ponto morto. Admitindo que houvera fraude comercial, onde estava Zeiber e os seus homens?
Supuseram que eles haviam embarcado em outros navios. Controlaram as listagens de tripulações de embarcações que chegassem regularmente aos portos americanos. Nenhum dos marinheiros da escuna naufragada constava dessas listas.
Teriam podido, é verdade, embarcado sob um outro nome com a cumplicidade dos “contratadores de homens” que forneciam os marinheiros aos comandantes com falta de pessoal. Esses marinheiros eram, por vezes, homens procurados pela Policia, homens a quem forneciam documentos falsos. Não era impossível que os membros da tripulação do J.C.Cousins se fossem estabelecer numa ilha do Pacifico ou num porto estrangeiro até que, beneficiando da prescrição do seu crime, pudessem regressar aos Estados Unidos. O que quer que tenha acontecido, nunca mais se ouviu falar deles.
Quanto a Zeiber, era uma personalidade demasiado conhecida dos comandantes da costa oeste dos Estados Unidos para passar despercebido para continuar o seu ofício num navio estrangeiro, tendo os comandantes formado uma espécie de franco-maçonaria internacional cujos membros se encontravam de porto em porto ao acaso das escalas.
Precisamente, assinalaram Alonso Zeiber em Singapura. Depois em Punta Arenas, no estreito de Magalhães. E ainda em Madagáscar, em Diego Suarez. As testemunhas juraram que se tratava realmente de Zeiber. Estavam tanto mais persuadidos disso porque ele fugira à aproximação dos seus antigos colegas.
Nenhuma certeza, contudo, em tudo isto. Essas aparições de Zeiber encontravam-se envolvidas na mesma névoa em que mergulhava aquele assunto. Um assunto que mantinha todo o seu mistério. A hipótese de vigarice não passava de uma hipótese. Zeiber e os seus homens ter-se-iam prestado a uma operação cujos riscos eram grandes e os lucros pequenos?
Este naufrágio sem náufragos permanecerá, sem dúvida, para sempre um segredo do mar.
É longa a lista de navios cujo desaparecimento é um enigma. Eis alguns exemplos recentes: no final do mês de Dezembro de 1975, o Berg Istra, um navio norueguês de transporte de minerais, um gigante de 224 mil toneladas, evaporou-se no Pacifico, perto das Filipinas. Foram encontrados dois sobreviventes, após quinze dias de buscas, num escaler pneumático. Declaram que, encontrando-se na ponte, ouviram um enorme barulho. Foram projectados para o mar. O Berg Istra partiu-se em dois e afundou-se em alguns minutos. Em Dezembro de 1978, o alemão München volatilizou-se a 400 milhas dos Açores. Tinha emitido alguns S.O.S., mas é em silêncio que Berge Venga, um outro gigante, irá ao fundo no Atlântico Sul, no final de Outubro de 1979. Não se encontraram nem destroços nem corpos.
Estes naufrágios no alto mar têm o seu mistério. É, contudo, paradoxal que um navio desapareça perto de terra, esse elemento estável e seguro, e o enigma do seu mistério se encontre no mesmo local. Assim aconteceu com o Don. (O Enigma do Don – próximo conto..)



Fim

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