quinta-feira, 9 de abril de 2009

Um Naufrágio Sem Náufragos

Agradecemos novamente ao Luís Guerra pela participação activa no blog, especialmente nesta parte mais literária que nos permite "navegar" até quando não estamos no mar !

Um Naufrágio Sem Náufragos é o 2º conto desta série "Contos do Mar". Como o anterior, faz parte das Histórias Maritimas Extraordinárias de Robert de la Croix.

Um Naufrágio Sem Náufragos (1ª parte)


O Ourang Medan foraencontrado com a sua tripulação morta. Sobre os destroços do J.C.Cousins não havia ninguém. Como se esse veleiro tivesse sido tomado pela loucura, entregou-se a uma navegação extraordinária e náufraga – um naufrágio por causa do bom tempo, inexplicável – e, sobre os destroços, nenhuma pista do comandante e dos seus homens. É o enigma absoluto.
Estamos a 7 d Outubro de 1883, na costa oeste dos Estados Unidos, à entrada de Columbia cujo estuário é atravessado por navios que se dirigiam para Astoria, Longview, Vancouver ou Portland. Um estuário insalubre, com uma barra perigosa e correntes inconstantes que podiam atingir seis a oito nós, correntes que conduziam a escolhos ou bancos de areia, como o banco Baker ou “o espigão de Clatsop”, de sinistra reputação. Os comandantes, sobretudo os dos navios estrangeiros, recorriam, por conseguinte, aos barcos - pilotos para poderem transpor as passagens sem dificuldades.
Naquela época, o mais conhecido desses barcos - pilotos era o J.C.Cousins. Não só porque o seu comandante, Alonso Zeiber, era um hábil manobrador que sabia desarmar as ratoeiras das correntes e evitar os escolhos e os baixios, mas também porque a sua embarcação é uma bela escuna: casco fino e elevado, dois mastros inclinados sobre a popa e acabamentos luxuosos em teca e acaju.
O J.C.Cousins, antes de ser um humilde e dedicado barco - piloto, fora um iate que pertencera a um milionário de São Francisco, iate célebre ao longo da costa californiana. O seu proprietário, seja porque estivesse demasiado velho para navegar, ou seja porque tivesse tido demasiados reveses de fortuna, vendera a escuna a uns armadores de Astoria , que fizeram dele um barco - piloto e confiaram o comando ao comandante Alonso Zeiber.
Na véspera desse dia, portanto 6 de Outubro, o J.C.Cousins cruzara ao largo do estuário. Tinha como missão pilotar um veleiro de três mastros francês proveniente do Japão e que subia até Portland. O veleiro tardava. No crepúsculo, o J.C.Cousins arribou a uma pequena enseada. De manhã, os vigias de Fort Canby, onde se encontrava uma estação de salvamento, viram a escuna levantar âncora e com todo o velame erguido, meter rumo a oeste ao encontro do veleiro de três mastros francês.
Estava bom tempo. O sol espalhava uma fina luz, como polvilhada sobre um mar de um vede azulado por onde se insinuavam os rastos azuis pálidos das correntes. Barcos de pesca com velas multicolores seguiam as suas redes. Os rolos de fumo de um rebocador pairavam num ar calmo. Um veleiro de três mastros manobrava para entrar no estuário. A costa, que se tornava branca nos nimbados longínquos duma ligeira bruma, dominada pelo cume coberto de neve do monte de Santa Helena, enquadrava este quadro marítimo de onde se desprendia uma impressão surda de felicidade e de equilíbrio. Felicidade e equilíbrio que simbolizavam a pirâmide de velas imaculadas que ultrapassava o elegante casco negro do J.C. Cousins, imagem de uma divindade reinante sobre a beleza do mar.
De repente, qualquer coisa naquele quadro quase demasiado perfeito alterou-se. E precisamente por causa da escuna. Ela seguia a boa velocidade, apesar da brisa suave, deixando atrás de si um fino rasto de espuma sussurrante. Percorrera algumas milhas quando mudou de rota. Uma mudança primeiramente quase imperceptível, de alguns graus. Depois, como sob um brusca volta de leme, o J.C.Cousins navegou paralelamente à costa durante cerca de um quarto de hora antes de se dirigir a terra.
Os barcos de pesca continuaram a puxar as suas redes. O rebocador aproximou-se do veleiro de três mastros. Um veleiro saía do estuário, majestosamente e fazia-se ao largo. A luz estava ainda delicada, sugerindo calma e felicidade de viver. E eis que esta harmonia foi quebrada pelo andamento louco, incompreensível, da escuna, rumo a um objectivo misterioso.
(continua)

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